segunda-feira, 27 de julho de 2009

O ROUXINOL E A ROSA



- Ela disse que dançaria comigo se eu lhe levasse rosas vermelhas - lamentou-se o jovem Estudante. - Mas, em todo o meu jardim, não há nenhuma rosa vermelha.

De seu ninho, no alto de um azinheiro, o Rouxinol o ouviu e, admirado, olhou por entre as folhas.

- Nenhuma rosa vermelha em todo o meu jardim - lamentou-se. E seus lindos olhos se encheram de lágrimas. - Ah, como é frágil a felicidade! Li tudo que os sábios escreveram. Sei de todos os segredos da filosofia. Mesmo assim, por falta de uma rosa vermelha, sou um desgraçado nesta vida.

- Enfim, um verdadeiro amante - disse o Rouxinol. - Noite após noite cantei canções em seu louvor, sem nunca tê-lo conhecido. Noite após noite contei sua história às estrelas e agora o vejo. Tem os cabelos escuros como a flor do jacinto e os lábios vermelhos como a rosa que lhe falta, mas a paixão deixou-lhe o rosto pálido como o marfim e a tristeza selou seu semblante.

- O Príncipe dará um baile amanhã à noite - murmurou o jovem estudante - e minha amada estará entre os convidados. Se eu lhe levar uma rosa vermelha, dançaremos até o alvorecer. Se eu lhe levar uma rosa vermelha, tomá-la-ei em meus braços e ela deitará a cabeça em meu ombro e em minha mão pousará a sua. Mas, não há rosas vermelhas em meu jardim. Por isso, eu me sentarei sozinho em um canto e ela nem tomará conhecimento de mim. Ela passará por mim sem me notar e meu coração se partirá.

- Aí está, de fato, o verdadeiro amante - disse o Rouxinol. - As canções que canto, ele as vive em sofrimento. As histórias com que me alegro são as de sua dor. O Amor é mesmo maravilhoso. É mais precioso que os diamantes e mais estimado que a mais fina opala. Pérolas e romãs não podem comprá-lo, nem se pode encontrá-lo nos mercados. Os comerciantes não o vendem e a balança não é capaz de medir seu peso em ouro.

- Os músicos se sentarão em suas galerias - disse o jovem estudante -, farão soar as cordas de seus instrumentos e minha amada dançará ao som das harpas e violinos. E ela dançará tão suavemente que seus pés não tocarão o chão. Os cortesãos, em seus trajes festivos, formarão rodas em torno dela. Mas, comigo ela não dançará, porque eu não tenho uma rosa vermelha para lhe dar.

Atirou-se então na grama, enterrou o rosto nas mãos e caiu em pranto.

- Por que ele está chorando? - perguntou um pequeno Lagarto Verde, ao passar ao seu lado com a cauda levantada.
- É. Por quê? - disse uma Borboleta, que voejava em busca de um raio de sol.
- É. Por quê? - sussurrou uma margarida a outra, a voz suave e delicada.
- Ele está chorando por uma rosa vermelha - disse o Rouxinol.
- Por uma rosa vermelha? - exclamaram. - Que ridículo atroz!

E o pequeno Lagarto, que era um tanto quanto cínico, caiu na gargalhada. Mas o Rouxinol sabia o segredo da tristeza do Estudante e pousou em silêncio no galho de um carvalho, refletindo sobre o mistério do Amor. De repente, ele abriu as asas castanhas e alçou vôo. Passou pelo pequeno bosque como uma sombra, e como uma sombra cruzou o jardim. No centro do gramado, havia uma bela Roseira. E, quando ele a viu, voou em direção a ela e pousou em um de seus ramos.

- Dê-me uma rosa vermelha - pediu - e eu lhe cantarei a mais bela canção.

A Roseira, porém, sacudiu a cabeça.

- Minhas rosas são brancas - respondeu -, brancas como a espuma do mar e mais brancas que a neve que cobre a montanha. Mas vá ter com minha irmã que mora ao redor do velho relógio de sol. Talvez ela tenha o que você quer.

O Rouxinol então voou até a Roseira que morava ao redor do velho relógio de sol.

- Dê-me uma rosa vermelha - pediu - e eu lhe cantarei a mais bela canção.

A Roseira, porém, sacudiu a cabeça.

- Minhas rosas são amarelas - respondeu -, amarelas como os cabelos da sereia que reina em seu trono de âmbar e mais amarelas que o narciso que floresce nos campos antes que o ceifador venha com seu alfange. Mas vá ter com minha irmã que mora embaixo da janela do Estudante.

O Rouxinol então voou até a Roseira que morava embaixo da janela do Estudante.

- Dê-me uma rosa vermelha - pediu - e eu lhe cantarei a mais bela canção.

A Roseira, porém, sacudiu a cabeça.

- Minhas rosas são vermelhas - respondeu -, vermelhas como as patas das rolinhas e mais vermelhas que as grandes flores-de-coral que serpeiam nas profundezas do oceano. Mas o frio do inverno gelou minhas veias, a geada queimou meus botões e a tempestade quebrou meus ramos. Por isso, nenhuma rosa terei este ano.

-Tudo o que eu quero é uma rosa vermelha - desesperou-se o Rouxinol -, uma única rosa vermelha! Será que não há nenhum meio de conseguí-la?
- Há um meio - respondeu a Roseira -, mas é tão terrível que não ouso contar-lhe.
- Conte-me - disse o Rouxinol. - Não tenho medo.
- Se você quer uma rosa vermelha - prosseguiu a Roseira -, terá de cantar à luz do luar até nascer uma rosa, e tingí-la com o sangue de seu coração. Você terá de cantar para mim com o peito comprimido contra um espinho. Por toda a noite terá de cantar para mim com um espinho cravado no coração, até que o sangue que lhe dá vida corra em minhas veias e se torne meu.

- A Morte é um alto preço a se pagar por uma rosa vermelha - queixou-se o Rouxinol -, e a Vida é por todos estimada. Encanta-me pousar na verde relva e contemplar o Sol em sua carruagem de fogo e a Lua em seu rosário de pérolas. Doce é o perfume do jasmim; doces os lírios-do-vale e as magriças que desabrocham nas colinas. Ainda assim, o Amor é melhor que a Vida. E como pode o coração de um passarinho comparar-se ao de um homem?

Ele então abriu as asas castanhas e alçou vôo. Passou pelo jardim como uma sombra, e como uma sombra cruzou o pequeno bosque.

O jovem Estudante continuava estirado na grama, onde ele o deixara, e as lágrimas ainda não haviam abandonado seus lindos olhos.

- Alegre-se - disse o Rouxinol -, alegre-se; você terá sua rosa vermelha. Cantarei à luz do luar até nascer uma rosa e tingí-la-ei com meu próprio sangue. Tudo que lhe peço em troca é que seja um verdadeiro amante, pois o Amor é mais sábio que a Filosofia (e quão sábia é ela...) e mais forte que o Poder (e quão forte este é...). As asas do Amor são da cor do fogo e, como o fogo, colorido é o seu corpo. Doces como o mel são seus lábios e seu hálito é como o incenso.

O Estudante, deitado na grama, levantou os olhos e ouviu, mas não entendeu o que o Rouxinol lhe dizia, pois não era capaz de compreender senão as coisas que se escrevem nos livros. O Carvalho, porém, entendeu. E se entristeceu, porque muito estimava o pequeno Rouxinol que um dia havia feito um ninho em seus galhos.

- Cante-me uma última canção - suplicou -, sentirei muita solidão quando você partir.

O Rouxinol então cantou para o Carvalho, e sua voz era como água vertendo de um jarro de prata. Quando o Rouxinol terminou sua canção, o Estudante levantou-se e sacou de seu bolso um caderno e um lápis.

Ele tem método - pensou o estudante, enquanto atravessava o pequeno bosque a caminho de casa - isso não se lhe pode negar; mas terá sentimento? Temo que não. Na verdade, ele é como a maioria dos artistas: sobra-lhe estilo e lhe falta sinceridade. E não se sacrificaria por outros, pois pensa apenas na música. Todo mundo sabe que a arte é egoísta. Não obstante, deve-se admitir que há belas notas musicais em sua voz. É uma pena que nada signifiquem e que de nada sirvam.

Entrou então em seu quarto, deitou-se em sua cama de palha e começou a pensar na amada. Um pouco depois, adormeceu.

E quando a Lua brilhou no céu, o Rouxinol voou até a Roseira e lançou-se de encontro ao espinho. Por toda a noite ele cantou com o espinho em seu peito, e a fria Lua de cristal inclinou-se e escutou. Por toda a noite ele cantou, o espinho cravando cada vez mais fundo no peito, até que seu sangue se exauriu.

Ele primeiro cantou o amor que nasce no coração de dois jovens. E no mais alto ramo da Roseira, uma linda rosa desabrochou. Uma a uma, as pétalas despontavam, assim como uma a uma soavam as canções. De início, a rosa era alva como a bruma que cobre o rio - alva como a face da manhã e cor de prata como as asas da aurora. Reflexo de uma rosa em um espelho de prata ou em uma lagoa de cristal, assim era a flor que nasceu no mais alto ramo da Roseira.

Mas a Roseira rogou ao Rouxinol que apertasse ainda mais o peito contra o espinho.

- Aperte mais, pequeno Rouxinol - disse a Roseira -, ou o dia nascerá antes que a rosa esteja pronta.

O Rouxinol então pressionou ainda mais o peito contra o espinho. E cada vez mais alto soava sua música, pois cantava a paixão que nasce na alma de um homem e de uma donzela.

As pétalas coraram-se de um delicado tom de rosa, como o que cora a face do noivo quando ele beija os lábios da noiva. Mas, como o espinho ainda não atingira o coração do passarinho, o da rosa continuava branco, pois apenas o sangue do coração de um Rouxinol pode enrubescer o coração de uma rosa.

E a Roseira rogou ao Rouxinol que apertasse ainda mais o peito contra o espinho.

- Aperte mais, pequeno Rouxinol - disse a Roseira -, ou o dia nascerá antes que a rosa esteja pronta.

O Rouxinol então pressionou ainda mais o peito contra o espinho. E o espinho tocou seu coração, infligindo-lhe uma dor atroz. Cruciante, intolerável era a dor e cada vez mais frenética era a música, pois que ele cantava o Amor que a Morte torna perfeito, o Amor que no túmulo não morre.

E a linda rosa era agora escarlate, como a rosa que nasce no leste. Escarlate era a coroa de pétalas e rubro como um rubi era o seu coração.

Mas a voz do Rouxinol ficou mais fraca. Suas asinhas começaram a bater e uma fina névoa embaçou-lhe os olhos. Cada vez mais baixo ele cantava, e sentia algo a lhe apertar a garganta.

Então de seu peito irrompeu uma derradeira explosão de música. A Lua muito branca escutou-a e esqueceu-se da aurora, demorando-se no céu. A rosa vermelha escutou-a e, toda trêmula em êxtase, abriu suas pétalas no ar frio da manhã. Eco a conduziu até sua púrpura caverna nas colinas e acordou de seus sonhos os pastores adormecidos. Ela flutuou por entre os juncos do rio, que levaram sua mensagem ao mar.

- Veja! Veja! - exclamou a Roseira - A Rosa está pronta.

Mas, o Rouxinol nada respondeu, pois jazia morto no gramado com o espinho cravado no coração.

Ao meio-dia, o Estudante abriu a janela do quarto e espiou lá fora.

- Ora essa! Que sorte incrível! - exclamou - Uma rosa vermelha bem aqui! Nunca vi uma rosa como esta em toda minha vida. É tão deslumbrante que certamente deve ter um nome bem comprido em latim.

Então inclinou-se e arrancou a flor. Depois colocou seu chapéu e, com a rosa na mão, correu até a casa do Professor. Sentada à porta com seu cachorrinho deitado a seus pés, estava a filha do Professor, enovelando um carretel de seda azul.

- Você disse que dançaria comigo se eu lhe trouxesse um rosa vermelha - lembrou-lhe o Estudante. - Aqui está a rosa mais vermelha do mundo. Você vai usá-la junto ao peito esta noite e, quando estivermos dançando, ela lhe dirá quão grande é o meu amor por você.

A garota franziu as sobrancelhas.

- Não creio que ela combine com meu vestido - respondeu. - Além disso, o sobrinho do Tesoureiro da Cidade enviou-me jóias de verdade. E todo mundo sabe que jóias custam muito mais que flores.

- Palavra de honra que você é muito ingrata - disse o Estudante, nervoso.

E atirou na rua a rosa, que foi parar na sarjeta, onde acabou esmagada pela roda de uma carroça qualquer.

- Ingrato! - exclamou a garota. - Sabe de uma coisa? Você é muito grosseiro. Além do mais, não passa de um Estudante. E nem ao menos usa sapatos com fivela de prata, como os do sobrinho do Tesoureiro. Inacreditável!

Levantou-se então da cadeira e voltou para dentro de casa.

- Que tolice é o amor - refletiu o Estudante, enquanto retornava. - Não tem nem a metade da utilidade da Lógica. Além de não provar coisa alguma, está sempre iludindo as pessoas e fazendo-as acreditar em inverdades. Com efeito, não tem praticidade alguma. E, como hoje em dia praticidade é tudo, voltarei à Filosofia, vou estudar Metafísica.

De volta ao seu quarto, o Estudante retirou da prateleira um grande e empoeirado livro e começou a ler.

Oscar Wilde

Um comentário:

  1. Um belo texto do gênial Oscar Wilde, eu fiz uma adaptação deste texto e publiquei no meu blog em 4 capitulos, a primeira vez que tive contato com essa obra foi assistindo uma adaptação para o teatro,me apaixonei pelo texto. Então pensei em escrever uma adaptação livre mais bem fiel a obra de Wilde, este escritor maravilhoso que eu admiro tanto,um dos maiores icones da literatura mundial em todos os tempos.

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